[Publicado do "Diário do Minho" de 2004.05.31]

 

Os recursos aquíferos do subsolo de Braga
Francisco Sande Lemos

O subsolo da cidade de Braga, e da zona envolvente, é abundante em recursos aquíferos. A grande cidade da época romana seria abastecida a partir do rio Ave, de uma barragem que se localizava no ponto onde hoje se ergue a do Ermal. Julgamos que eventuais vestígios dessa antiga barragem foram destruídos quando se construiu a nova hidro-eléctrica, no século XX. Se analisarmos as cartas altimétrica (Ermal - 300m; Alto da Cividade 196m) esta solução corresponde às cotas necessárias e seria perfeitamente exequível. Embora ainda não tenham sido descobertos vestígios do aqueduto, também é verdade que nunca foi organizada uma prospecção sistemática com esse objectivo. Outro ponto de abastecimento seriam, por certo, os mananciais das Sete Fontes.

A par destas grandes condutas de água, que alimentavam as fontes, os edifícios termais e as casas particulares, já foram identificados numerosos poços, que aproveitavam as águas subterrâneas, nos seguintes locais da cidade romana: 
- 1 nas ruínas da "Casa do Poço", na Rua Pêro Magalhães Gândavo, barbaramente destruídas na década de 70;
- 1 na mesma rua, também destruído;
- 1 na insula das Carvalheiras, este conservado, embora não visitável;
- 1 na domus situada nos terrenos a Noroeste do Museu D. Diogo de Sousa, actualmente soterrada por falta de meios financeiros e recursos humanos do Instituto Português de Museus, o que é lamentável;
- 2 no Rocio da Sé, destruídos;
- 1 na Rua Gualdim Pais, destruído; 
- 1 na Rua de S. Geraldo (destruído? ou soterrado?);
- 1 nos Granjinhos, parcialmente afectado pela obra da Loja do Cidadão;
- 2 na Rua Santos da Cunha, destruídos;
- 1 na Rua Sá de Miranda, destruídos.

Na Avenida Central e no Fujacal (norte; Campo da Nora), foram também encontradas outras duas estruturas circulares, mas pouco profundas, que podem ter sido reservatórios de água.
Na área vedada do Alto da Cividade, uma reserva arqueológica de grande valor, onde se conservam os vestígios de um povoado da Idade do Bronze Final, as termas públicas, as ruínas do Teatro de Bracara Augusta, foi recentemente descoberto o que será um dos mais antigos fontanários de Braga.

Na Idade Média e na Idade Moderna, talvez devido à ruína dos aquedutos romanos que abasteciam Bracara, o recurso aos poços multiplicou-se. Ao longo destas últimas décadas, em que temos acompanhado inúmeras obras, em diversos locais da cidade, observámos numerosos poços, na sua maioria, meeiros, ou seja com dupla serventia. Um pouco ao acaso, ao correr da pena, recordamos os poços existentes nas casas do lado sul da Avenida Central, em prédios da Rua de S. Vítor, junto da Igreja, e na Rua de S. Marcos, nos edifícios encostados à muralha medieval. Algumas residências com logradouros maiores dispunham de poços independentes, como verificámos na Casa Grande de Santo António das Travessas, no quintal de uma casa da Rua de S. Geraldo, ou na Avenida Central, no prédio onde está a ser construída uma albergaria.

Já no Mapa de Braúnio se observam algumas das fontes que serviam a cidade, como a dos Granjinhos, ou os fontanários do Campo de Sant'Ana e do actual Largo do Município. O levantamento do eng. Goullard, efectuado em 1883/1884, é uma "fonte" excepcional para o estudo do aproveitamento dos recurso aquíferos do subsolo de Braga, devido ao elevado número de poços e tanques que registou.

Para além dos poços romanos supra referidos e do fontanário do Alto da Cividade, sabemos, pela inscrição gravada na rocha, que a extinta nascente da Fonte do Ídolo datava da época romana (segundo alguns será possível recuperar a água do substracto rochoso; em meu entender só mesmo com água da torneira…). Supomos, também, que seja muito antiga a Fonte de S. Pedro. Tem, pelo menos, 300 anos, pois que já se encontra referida na Carta de André Soares e nas Memórias Paroquiais de 1755. Embora sem indícios firmes pensamos, mesmo, que seja da época romana. Quanto à Fonte da Cárcova, data, pelo menos, da Baixa Idade Média, considerando o nome da rua, já citada no mapa de 1594. Recentemente tivemos oportunidade de observar a fonte, mas o exame foi pouco conclusivo. Só após uma limpeza adequada, e trabalhos arqueológicos, será possível uma datação certa. Recordamos, no entanto que a saída da Via Nova, para Asturica, estava próxima, a menos de 50 metros. Por sua vez, também a Fonte da Igreja da Misercórdia, de significativo caudal, poderá ser muito antiga. Aliás, não ficava muito longe da via que se dirigia para Lucus Augusti (Lugo).

A água doce é um recurso excepcional, de relevante importância geo-estratégica, conforme sublinham numerosos estudos da autoria de militares, ou de ecologistas. Entre os israelitas e palestinianos o combate não se trava somente por razões religiosas, ideológicas e políticas. O controlo dos cursos de água e das nascentes é uma das principais causas do conflito.
Os recursos aquíferos constituem um bem precioso.
Assim, mesmo quando são abundantes, como é o caso de Braga e do seu concelho, é necessária toda a cautela no uso e abuso do subsolo. 

Da íntima e secular relação entre a água do subsolo e seu aproveitamento pelos bracarenses dos primeiros séculos da Era Cristã, na época medieval e na Idade Moderna (sécs. XVII e XVIII), deveríamos retirar ensinamentos de humildade e prudência. Durante quase três dias, quando falhou o abastecimento de água à zona de Maximinos, os habitantes da zona acorreram à Fonte de S. Pedro, eu tal como muitos outros, em paciente fila de espera.

Justifica-se, pois, uma gestão adequada dos recursos aquíferos. Torna-se indispensável que seja estudado o impacte de cada obra, cuja magnitude possa afectar a rede de águas subterrâneas, que correm entre as fendas graníticas. O país já dispõe de jovens licenciados, especialistas nessa área, uns no desemprego, outros a leccionarem matérias distintas, em Escolas Secundárias, quando, em boa verdade, deveriam ser chamados a elaborar esses estudos. De outro modo para que serviu o investimento da Fundação de Ciência e Tecnologia em bolsas de mestrado, e de doutoramento, no âmbito da investigação sobre recursos aquíferos subterrâneos? Todos nos queixamos, a começar pelo mais alto magistrado da Nação, que os nossos recursos humanos são pouco qualificados. E, no entanto, uma boa parte dos que possuem conhecimentos, dos que podem ser úteis, estão desempregados. Porque será que em Portugal a palavra "estudos" assusta? Caso o túnel do metro do Terreiro do Paço, em Lisboa, tivesse sido precedido por estudos adequados, os preços astronómicos da obra seriam, por certo, muito menores. Ainda ninguém sabe quais são as consequências a médio e longo prazo dos parques automóveis do Martim Moniz e da Praça da Figueira, que cortaram as águas subterrâneas provenientes da Almirante Reis, para a estabilidade dos edifícios da Baixa Pombalina. Um estudo de impacte custa X. As aventuras de um projecto de engenharia, sem avaliação cuidadosa das diversas vertentes, custa X a multiplicar por 1000 elevado a 1000.

Por todos os motivos, incluindo o financeiro, o subsolo, seja na vertente patrimonial, seja geológica, seja hidrológica, deve ser encarado como um bem precioso a gerir com cuidado, de forma científica, com base em estudos prévios..




Associado n.º 31 da ASPA