[Publicado do "Diário do Minho" de 2004.04.05]

 

Ramal de Braga
Camilo Gomes de Sá

Quando em 1872 os nossos Avós viram entrar nos seus campos a marcação para a linha-férrea, sentiram a maior desolação que se pode imaginar, choravam a sua amargura no auge da sua tristeza, sem encontrar lenitivo que pudesse enxugar suas lágrimas. Nós, os do século XX, parece-nos que eles eram muito atrasados, mas não eram não, atrasados somos nós, se não medirmos as distâncias porque se nós vivêssemos naquele tempo não seríamos melhores. Quando veio a Máquina a primeira vez até ao Lugar do Apeadeiro, o povo fugia para longe, por que alguém dizia que a Máquina matava gente até certa distância.

No princípio de qualquer iniciativa tudo parece difícil, depois vão-se desvanecendo as dificuldades, adaptando-se o homem às modas e as modas ao homem, queria com isto dizer que, quando começaram a passar os comboios nos campos dos nossos avós, eles ainda se punham de longe temendo a morte. Nós e os nossos filhos passamos pelo comboio em andamento e não tememos o que muito bem pode acontecer, confiantes em que ele tem os carris para seguir seu destino, mas, ignoramos o nosso. Mas, sem dúvida, o comboio foi um melhoramento que trouxe prosperidade ao Mundo. O homem vive em sua casa e em breves momentos vai a distâncias longínquas prestar serviços da sua competência. As mercadorias são transportadas da sua origem para as localidades do consumo em ligeiros momentos.

Muito útil ao estado nos transportes do material de guerra, bem como em comoção recreativa às pessoas que a isso se destinam. E os feirantes que se servem deste meio de transporte para ir ao encontro de seus lucros lícitos ou não, muito teria que dizer mas não é esse o alvo que tenho em vista. Voltando ao fio da condução, os nossos pais desembarcavam na estação de Nine, ou Arentim, mas ainda tinham dois ou três quilómetros para andar na moda primitiva. Mas como o homem anseia mais e sempre mais, e nunca se dá por satisfeito, já lhe parece ser sacrifício demais vir a pé para Cambeses, e suas cercanias. Resolveu a Junta de Freguesia fazer um abaixo assinado pedindo à direcção dos caminhos-de-ferro a paragem dos comboios transvias neste couto de Cambeses. Data inicial: 1915 pouco mais ou menos. Como havia esperança deste triunfo, o povo irmanado aos magnatas davam vivas à direcção, a música tocava o Hino Nacional, o Fogo nos ares transmitia a alegria do momento, as Meninas vestidas à vianesa, ofereciam ligeiramente as bebidas acompanhadas de doce especialíssimo, que os empregados agradeciam. Já em andamento, pois não podiam atrasar o comboio, quando este já estava nas agulhas de Arentim, continuava a mesma reinação repercutindo-se as vivas com grande entusiasmo dando as pessoas provas de generoso agradecimento até aos nossos colaboradores que se interessaram por este apreciável melhoramento, custando a viagem daqui para Nine, ou Arentim apenas $030 réis isto há mais de 50 anos. Mas o homem nunca se dá por satisfeito, dentro em pouco já pede mais e assim tem conseguido alindar a nossa terra com paragens quase da totalidade, grande jeito não só para os vizinhos do Apeadeiro, mas para as freguesias vizinhas, bem como para um viveiro de empregados que diariamente se utilizam deste grande meio de condução. Quem estiver conhecedor do material anterior à vinda das carruagens suíças, nota no presente uma viagem tão bela que parece dar saudades de viajar mesmo sem precisão. Os portugueses desvendaram-se e começaram o fabrico de tão belas carruagens como a Suíça. O homem moderno vai aperfeiçoando todos os meios de utilidade externa, sem reflectir nos meios de utilidade interna. A viagem do homem velho está sempre em marcha, as suas carruagens estão desalinhadas, mas a revisão é certa.

Voltando às últimas modas, já em grande parte de Portugal se está electrificando as linhas para que em breve todas as locomotivas sejam eléctricas, outro modelo de bom gosto. As automotoras que há tempos estão em circulação, origem de admiração para muita, muita gente, pois ver um
comboio andando em marcha agitada sem vestígios de máquina, são sem dúvida motivo de admiração para aqueles que são estranhos aos serviços electrizados.

Ainda mais veremos! Pois ainda há mais que esperar, ou já estava todo esgotado.

Que te parece?

Cambeses, 26 de Março de 1970

Camilo Gomes de Sá

Camilo Comes de Sá nasceu em Couto de Cambeses, Barcelos, em 1897, onde faleceu em 1989.

Apesar da sua escolaridade limitada, dedicou-se a escrever as suas memórias e os factos da terra em 1970.

Escreveu os seus apontamentos em várias "Agendas", que lhe eram oferecidas pelos filhos e antigos. Nelas deixou interessantes relatos da vida quotidiana e comunitária da freguesia de Couto de Cambeses.

Um dos relatos diz respeito ao "dia de maior tristeza" da freguesia quando, em 1917, explodiu um vagão ferroviário que transportava dinamite para uso militar. Uma explosão tão grande que foi ouvida em Viana do Castelo. Mas como um tragédia nunca parece vir só, juntou-se também a tristeza de ver partir noutro comboio de transbordo centenas de jovens que iam combater em França na I Guerra Mundial.

Um outro relato dá conta da extracção de pedra antigamente existente no Lugar dos Pedrogos, pedra essa que alimentou uma renovação da via-férrea em 1934.

O texto transcrito dá conta da chegada do Caminho-de-Ferro a Braga e a sua passagem em Cambeses, ocupando terrenos que pertenciam a seu pai, meu bisavô.

Dario Silva