[Publicado do "Diário do Minho" de 2004.01.26]

 

Podas camarárias
Raul Rodrigues

Todos os anos, por altura do Inverno, somos visitados por uma espécie de esquadrões da morte, para executarem as temidas campanhas de poda, levadas a cabo de forma sistemática em diversas artérias da cidade de Braga. 
Como sempre, surge a discussão em torno da velha questão "Deverão as árvores ser podadas intensamente de forma sistemática?" 

É de estranhar a postura das entidades responsáveis pelos espaços verdes da cidade que, ano após ano, teimam em agravar o estado já debilitado das pobres árvores. 
O problema é que não se trata porventura de meia dúzia de árvores mutiladas, mas sim de parques e ruas inteiras. A Av. Imaculada Conceição, a Av. João XXI, o Parque da Ponte, a Av. Central, o Campo Novo, entre outros, perdem exemplares a uma velocidade directamente proporcional ao aumento da pobreza, da ignorância, do desinteresse, da falta de compromisso e da hipocrisia das entidades responsáveis.

Estas podas deveriam ser banidas porque são manifestamente prejudiciais, quer para a saúde das árvores, quer para o bolso do contribuinte. As árvores assim podadas perdem o seu porte natural e, portanto, a sua beleza. Quando se elimina uma grande quantidade das suas reservas armazenadas nos ramos e troncos, as árvores ficam debilitadas e, consequentemente, mais vulneráveis ao ataque de pragas e doenças.

O que é a mutilação das árvores? A mutilação é uma poda indiscriminada dos ramos das árvores, deixando apenas alguns troncos ou mesmo apenas o simples tronco principal da árvore. Trata-se de uma prática de poda bastante difundida e, ao mesmo tempo, a mais perniciosa para a saúde e longevidade das árvores. Apesar da generalidade dos especialistas em podas de árvores condenarem esta prática, ela continua a ser uma prática comum na nossa cidade.

Várias são as "falsas" razões para se justificar a mutilação das árvores: necessidade de se reduzir o tamanho da árvore quando esta é demasiado grande para o local onde foi implantada; receio das árvores grandes constituírem um perigo, etc., etc. A mutilação não é um método viável para reduzir a altura da árvore nem tão pouco para reduzir o risco de queda, antes pelo contrário, a mutilação fará uma árvore mais perigosa a médio e longo prazo (Ex: Av. Central, Traseiras do edifício da Câmara Municipal de Braga, Mata do Bom Jesus, Av. Imaculada Conceição).

Consequências da mutilação das árvores: esta prática elimina uma grande parte da copa das árvores chegando nos casos mais drásticos à eliminação total. Como consequência, a superfície fotossinteticamente activa (as folhas que são como que uma fábrica de alimento das árvores) é parcial ou totalmente eliminada, pelo que a árvore fica bastante debilitada (pode passar fome). Esta gravidade da poda, estimula um tipo de mecanismo de sobrevivência, no sentido da árvore se recompor do traumatismo sofrido, recorrendo para tal às suas reservas energéticas. Se a árvore não dispõe de tais reservas em abundância, ficará gravemente debilitada, podendo em muitos dos casos morrer (lódãos, na Av. Imaculada Conceição). Uma árvore debilitada, fica mais vulnerável ao ataque de pragas e doenças, sendo que alguns insectos acabam por se aproveitarem destas debilidades e instalar aí as suas colónias, acelerando nalguns casos a morte das árvores (Ex: Tílias da Av. Central).
Sem folhas, (durante cerca de meio ano nas nossas condições) uma árvore decapitada fica completamente desfigurada e debilitada, e jamais recuperará por completo a sua forma natural. A decapitação é uma prática incoerente com a fisiologia das árvores, cientificamente errada e socialmente inaceitável.

A mutilação acarreta riscos. Como resposta aos cortes violentos, as árvores recorrem a um mecanismo de sobrevivência que as levam a produzir múltiplos rebentos causando um grande desgaste. Os novos rebentos crescem muito rapidamente, podendo nalgumas espécies alcançar 6 metros no primeiro ano. Infelizmente, estes novos ramos têm tendência para esgaçar com facilidade, principalmente por acção de ventos fortes. Neste caso, vira-se o feitiço contra o feiticeiro, em que a mutilação vista como uma forma de proporcionar segurança, torna-se numa forte ameaça para os transeuntes.

A mutilação sai cara. O custo com a mutilação, não se limita apenas aos encargos com mão-de-obra e maquinaria. Se a árvore sobrevive, necessitará de outra poda dentro de poucos anos, voltando novamente a ser severamente castigada. Se a árvore morre, será pura e simplesmente abandonada no local até que a natureza ou alguém se encarregue de a retirar de lá.

Responsabilidade civil. Outro custo das árvores podadas violentamente ao longo de vários anos tem a ver com a responsabilidade civil. Estas árvores com maior propensão ao esgaçamento, podem constituir um risco não negligenciável, pelo que qualquer dano provocado pela queda de um ramo de uma árvore mutilada poderá levar a um veredicto de negligência nos tribunais.
É errado o conceito tão difundido no que respeita a vantagens ou benefícios que significa a poda para a árvore. No que respeita à poda do arvoredo urbano, há vários conceitos e práticas erróneas, que se transmitem de geração em geração, sem que haja coragem ou vontade política de pôr cobro a tais situações.
Nalgumas espécies, quando se utiliza erradamente uma técnica de poda, observa-se normalmente o aparecimento de podridões (como consequência da contaminação por fungos oportunistas). Este processo é irreversível, leva ao declínio prematuro e frequentemente à morte das árvores.

A Câmara Municipal de Braga dispõe de legislação minimamente adequada sobre esta matéria. A actual Postura sobre Parques e Jardins, aprovada pela Câmara de Braga, apesar de regulamentada, não é cumprida pelos próprios serviços camarários. Mas se existisse um verdadeiro Plano de Arborização em oposição ao Plano de Asfaltização e Betunagem Urbana, talvez a lei fosse cumprida ou pelo menos levada mais a sério.
Como consequência da falta de um verdadeiro plano de arborização, e da adopção de práticas erradas ou mal intencionadas na gestão dos espaços verdes de Braga, o parque arbóreo sofre uma degradação galopante: doenças, fungos, ramos e troncos ocos, árvores mortas, quedas de árvores e ramos, etc. etc. são a imagem comum um pouco por toda a parte.

É de estranhar o silêncio profundo das Associações Ambientalistas que parecem esquecer tal aspecto, ou terão porventura, outras "coisas mais importantes" com que se ocupar. Entenderíamos tal circunstância noutro contexto, mas tal como diz José Saramago, "só é cego aquele que não quer ver". Isto é revelador de uma enorme mediocridade e ignorância que converte em cúmplices todos aqueles que dizem defender a Ecologia.