[Publicado do "Diário do Minho" de 2004.01.12]

 

Memórias de leituras em 2003
Henrique Barreto Nunes

Nos domínios do conhecimento mais directamente relacionados com a área de intervenção da ASPA (património cultural e natural, arte, arqueologia, história) o livro que me merece maior destaque intitula-se "As freguesias do distrito de Braga nas Memórias paroquiais de 1758: a construção do imaginário minhoto setecentista", sendo o seu autor o doutor José Viriato Capela, professor catedrático da Universidade do Minho.

Culminando o seu persistente labor na publicação das memórias paroquiais minhotas de 1758, de que já tinham resultado as monografias, com a colaboração de diversos investigadores, de Barcelos, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão, Braga e Amares, José Viriato Capela apresenta-nos neste volume um dicionário de todas as freguesias do distrito de Braga, de acordo com as respostas integrais que os seus párocos deram ao inquérito paroquial de 1758.
Trata-se de um retrato e de um roteiro extremamente valioso para o conhecimento da realidade religiosa, histórica, geográfica, artística, etc., do actual distrito de Braga em meados do séc. XVIII.

Além disso, este volume é enriquecido com um dicionário de termos, biografias, toponímia, bibliografia, etc., que nos permite fazer uma mais esclarecedora leitura e exploração das memórias e com índices dos nomes dos párocos memorialistas, dos nomes próprios citados, com um roteiro administrativo das freguesias, com uma lista de capelas e ermidas, de devoções ou invocações nas igrejas paroquiais, etc.
Os investigadores da história minhota passam assim a poder ter pela primeira vez ao seu alcance, integralmente, uma fonte de documentação primordial para o estudo do Minho setecentista.

Quanto ao concelho de Braga propriamente dito, o ano não foi muito fértil na publicação de trabalhos naquele âmbito, apesar de haver investigação feita, cuja responsabilidade em parte se pode assacar à respectiva câmara municipal, mais interessada em construir monumentos de betão para glórias efémeras do que em preocupar-se com a cultura.
Por isso mesmo deve referir-se com apreço o livro da arquitecta Paula A. Pereira da Silva sobre "As termas romanas de Bracara Augusta" (edição da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto), um importante contributo para o estudo e valorização da arquitectura pública da cidade romana que esteve na origem de Braga, já que incide sobre o balneário público do Alto da Cividade, incluindo um significativo conjunto de desenhos sobre o monumento.

Por iniciativa do NEPS do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho foi editada a tese de doutoramento de M. Manuela Campos Milheiros, "Braga: a cidade e a festa no séc. XVIII" na qual se estudam as festas barrocas realizadas na cidade arquiepiscopal na centúria em referência, festas que a autora descreve como fenómeno grandioso e efémero, contudo rico de significado com a sua fantasia bizarra e cheia de criatividade.
Sobre a história bracarense, à qual está indissociavelmente ligada, merece ainda uma referência especial o 2º volume de "A Misericórdia de Braga", de Maria de Fátima Castro, que incide sobre a composição da Irmandade, administração e recursos, das origens a cerca de 1910 (edição da Santa Casa da Misericórdia de Braga).

De interesse iconográfico, não podemos esquecer "Braga: símbolos de fé", desenhos e textos de Domingos Araújo sobre os cruzeiros bracarenses (edição APPACDM); "Braga desaparecida: 2ª série", um conjunto heterogéneo de velhas fotografias (edição A Bogalha); "O ar de província. As tradições", uma recolha de desenhos de José Veiga (edição Fundação Bracara Augusta) e "O comércio em Braga em 1924", que nos apresenta a reprodução de diversos anúncios publicados num almanaque da época (edição Fundação Bracara Augusta). No final do ano o Museu da Imagem proporcionou-nos o catálogo de mais uma das reveladoras exposições que Rui Prata tão persistentemente tem conseguido realizar, a partir do espólio da Foto Aliança, sobre "Retratos no Feminino".
Uma breve referência merecem ainda os pequenos estudos de história local, em especial sobre genealogia, reunindo no volume de "Inéditos e dispersos" de Joaquim Chaves (edição APPACDM).

Se passarmos ao resto do Minho, infelizmente não possuo uma informação tão exaustiva quanto desejaria sobre a actividade editorial na região, mas poderei assinalar alguns títulos que me chegaram às mãos e tive oportunidade de apreciar.
A José Viriato Capela se deve também a coordenação e a autoria de alguns capítulos do livro minhoto que me mereceu maior atenção: "Monção nas Memórias paroquiais de 1758", edição da Casa Museu de Monção (Universidade do Minho), com estimável arranjo gráfico e capa de Luís Cristovam.
A anteceder a publicação destas memórias paroquiais organizaram-se 5 capítulos sobre o território, a administração municipal, as instituições concelhias, a sociedade política, as paróquias e a ordem eclesiástico-religiosa, bem como estudos sobre a historiografia portuguesa no séc. XVIII, os párocos memorialistas e listagens de bibliografia e documentação monçanense, os quais, pelas mãos de diversos especialistas, enquadram o texto original na época em que foi elaborado e traçam o quadro histórico de Monção em Setecentos.

Eduardo Pires de Oliveira reuniu em "Os alvores do rococó em Guimarães: e outros estudos sobre o barroco minhotos" (edição APPACDM) um conjunto de 6 artigos publicados em revistas e actas de congressos, mais 3 inéditos, em que continua a analisar a arte minhota (e a sua diáspora) na época em apreço, a partir de uma aturada pesquisa em arquivo e do atento, interrogador e minucioso olhar com que observa e compara as obras de arte que lhe suscitam a atenção. De destacar o texto sobre o culto da Senhora da Lapa e a revelação do entalhador Francisco Vieira Servas, de Mosteiro (Vieira do Minho), que no Brasil, onde a sua arte se impôs, foi objecto de detalhado estudo.

No domínio da história local, o breve estudo que Ernesto Português dedica ao "Santuário da Senhora dos Milagres", localizado em Cambezes (Monção), merece uma referência elogiosa, pelas dúvidas que esclarece e pelas novidades que traz.
"Valença nas Memórias paroquiais de 1758" é mais um precioso contributo que se fica a dever a José Viriato Capela relativamente ao estudo e divulgação daquele importante manancial de informação historiográfica.

No que concerne à iconografia, "Imagens da Ribeira Lima: 1860-1910" que Eduardo Pires de Oliveira organizou e a Valima editou como apoio a uma exposição com o mesmo título, reúne um interessantíssimo conjunto de fotografias, litografias, gravuras e desenhos que no período referido retrataram aspectos diversos dos concelhos de Arcos de Valdevez, Ponte de Lima, Ponte da Barca e Viana do Castelo.

No âmbito do património literário, duas referências:
- o doutor António da Costa Lopes retomou a sua investigação sobre o poeta trovadoresco do séc. XIII D. João Garcia de Guilhade, procurando provar através de impressiva argumentação a sua origem barcelense, o que deu origem ao estudo "O trovador Guilhade e a sua terra de origem" (edição Câmara Municipal de Barcelos).
- António Manuel Couto Viana, num estilo muito próprio, em que a análise literária, a informação cuidada e o tom afectivo se mesclam, evocou mais 25 "Poetas minhotos, poetas do Minho" (2º volume, edição da Câmara Municipal de Viana do Castelo).

Finalmente no domínio da história política recente, Artur Ferreira Coimbra em "Desafectos ao Estado Novo" relatou diversos episódios da resistência ao fascismo em Fafe, recuperando a memória de muitos heróis anónimos que naquele concelho lutaram pela liberdade (edição da Junta de Freguesia de Fafe).

Para terminar, embora fuja ao âmbito restrito deste texto, mas não ao de alguns combates que a ASPA vem travando ao longo dos seus 26 anos de existência, chamo a atenção para o livro de Maria José Morgado e José Vegar, "O inimigo sem rosto: fraude e corrupção em Portugal" (edição D. Quixote) a ler com muita atenção e com a esperança de que a Polícia Judiciária conclua com êxito as investigações que está a realizar em Braga.

P.S: Por absoluta falta de espaço não é possível referir agora as revistas minhotas publicadas em 2003. Voltarei ao assunto.




Associado n.º 6 da ASPA