À memória do Senhor José Moreira que, de uma forma aplicada e incansável, lutou para defender a sua cidade. O património não são apenas as pedras com história, mas também a lembrança de quem contribuiu para as salvar.
Muito se escreveu sobre os sucessivos vandalismos que a cidade romana de Bracara Augusta terá sofrido, em resultado dos ataques dos Visigodos no século V e dos árabes entre os sécs. VIII e X. A Arqueologia demonstrou que não foi tanto assim. Os cronistas exageraram.
Os árabes para exaltar os feitos dos seus chefes guerreiros. Os cristãos para salientar o repovoamento de cidades que nunca estiveram desertas.
A Braga romana, juntaram-se, ao longo dos séculos, novas camadas e áreas urbanas, na Idade Média, no Renascimento, na Época Barroca e na Idade Contemporânea. Em meados do século XX, a urbe merecia ter sido classificada como Património Mundial, devido à diversidade e extensão do seu património.
É verdade que muitas das casas medievais e muros de logradouros foram erguidos com pedra romana. Também na primeira metade do século XX, ocorreram muitas alterações nos alinhamentos das ruas e nos interiores dos prédios.
Contudo, foi nas últimas décadas que a cidade mais sofreu.
E, apesar de tudo, a capital do Baixo-Minho continua a ser uma urbe que conserva importantes monumentos. O seu subsolo é riquíssimo em vestígios arqueológicos, só comparável ao de Lisboa.
Precisamente por este motivo tem havido bracarenses que lutam por conservar as inúmeras memórias materiais do passado de Braga.
E, agora, quando já dobrámos o cabo do século XXI, cumpre olhar com atenção para a herança do século passado, para as zonas urbanas de qualidade. Neste texto pretendemos lembrar uma dessas áreas, a qual, embora mantenha a sua coerência e estilo, também parece estar ameaçada.
Ao longo da década de 50 e 60 do século passado a cidade de Braga cresceu para leste.
Abriram-se avenidas e ruas ortogonais, obedecendo a um modelo racional e equilibrado que, nalgumas artérias, cristalizou a orientação sudeste – noroeste, herdada do antigo cadastro romano.
É o caso da Avenida da Liberdade (ex-Marechal Gomes da Costa – Rua das Águas) e da Rua 31 de Janeiro (ex-Avenida Oliveira Salazar).
Quem observar com atenção a planta de Braga, ou a fotografia aérea, identifica com facilidade este núcleo urbano dos anos 50 e 60.
Estende-se da Avenida da Liberdade até à Rua Bernardo Sequeira, no sentido leste–oeste. Do Largo da Senhora a Branca e Rua de S. Vítor ao rio Este, no sentido sul-norte.
As avenidas e ruas são amplas, ladeadas por vivendas, ou imóveis com um máximo de quatro pisos. Aliás, várias destas vivendas têm sido recuperadas nos últimos anos.
Os passeios são largos, com árvores frondosas. Na Primavera são um corredor de abrigo que protege das últimas chuvas. No Verão atenuam a incidência dos raios solares. No Outono forma-se um magnífico e colorido tapete de folhas caídas.
A par dos prédios de habitação contam-se extensos equipamentos escolares, a Escola Secundária André Soares, edificada em 1973, e a Escola D. Maria II,
construída em 1963.
A abertura da Rodovia, não criou muralhas. Os prédios foram dispostos de forma ortogonal e com uma distância razoável entre si, facultando ângulos de visão abertos.
Ou seja uma zona equilibrada, com uma densidade de construção razoável.
Esta malha urbana, erigida, ou projectada sob o Estado Novo, testemunha e marca um momento da história da cidade. Constitui um património.
Mesmo a urbanização da antiga Quinta de Sotto Mayor, já posterior, abrangendo equipamentos sociais de outro tipo, o Palácio da Justiça e o Centro de Segurança Social, bem como prédios de habitação, é uma área confortável.
Ou seja é um espaço com o mínimo de qualidade de vida. Neste contexto a construção do imóvel que se estende para sul do antigo Palácio Matos Graça suscita-nos perplexidades várias.
Em primeiro lugar pelo sacrifício de uma peça patrimonial da cidade.
Depois, porque em lugar de uma recuperação cuidadosa do edifício, absolutamente justificável, a casa foi vítima de um implante.
Não negamos que o desenho da parte moderna do imóvel é de qualidade. A questão é de ordem urbanística e patrimonial. De facto, altura e volumetria são excessivas. O novo esmaga o antigo.
O Palacete Matos Graça deixou de ser um imóvel, ficando reduzido ao estado efémero de uma instalação arquitectónica. Perdeu dignidade.
Alteraram-se inúmeros ângulos de visibilidade.
As obras incomodaram, diariamente, os condutores dos automóveis e os transeuntes.
Até quando será possível suportar estas feridas que deste modo se rasgam na urbe bracarense?
Quem beneficia?
Quem perde?
Quem beneficia: não sabemos.
Quem perde: a memória de Braga e a qualidade de vida dos cidadãos que habitam a cidade.
E, depois, a ferida pode derivar para gangrena.
No espaço que descrevemos há inúmeros logradouros e vivendas com extensos jardins. A tentação é grande.
Cumpre aos bracarenses seguir o exemplo do Senhor José Moreira e defenderem de forma persistente a sua cidade contra os erros, ou excessos urbanísticos e construtivos.
A zona a que nos referimos é um espaço consolidado, tranquilo, integrado na história da cidade, que merece ser tratado com o devido respeito.
Braga tem muitas zonas para onde crescer. Não necessita de continuar a devorar o seu passado antigo e próximo.
Associado n.º 31 da ASPA
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