[Publicado do "Diário do Minho" de 2003.06.30] |
Novas achegas para o conhecimento de Bracara Augusta
Henrique Barreto Nunes
Quando armas de destruição massiva, no início de 1976, ameaçavam destruir irremediavelmente o que restava de Bracara Augusta, surgiu a CODEP (Comissão de Defesa do Património, embrião da ASPA) que, com o apoio decisivo da Universidade do Minho, conseguiu alertar e sensibilizar as entidades competentes e mobilizar a opinião pública para o início de um salvamento arqueológico de que todos nos podemos orgulhar. Não fossem alguns ataques cirúrgicos com armas não convencionais que os "interesses" e a cumplicidade da Câmara Municipal e o desinteresse e a incúria do IPPC permitiram (incentivaram?) nos finais da década de 80, início da de 90, e a preservação de alguns significativos núcleos da cidade romana (lembremos apenas os terrenos à volta da Fonte do Ídolo, para não ir mais longe e mexer em feridas que não saram), bem como da informação que eles encerravam possibilitaria hoje conhecer ainda melhor o esplendor e a importância de Bracara Augusta. Mas o muito que agora se sabe acerca da urbe romana deve-se essencialmente à qualidade do trabalho e à capacidade científica da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, hoje detentora de um prestígio internacionalmente reconhecido no domínio da arqueologia urbana. O resultado das escavações, a análise do material recolhido, a interpretação dos dados obtidos têm possibilitado a reconstituição do urbanismo de Bracara Augusta e do seu quotidiano, que os estudos publicados por Manuela Martins, Francisco Sande Lemos, Manuela Delgado e alguns outros divulgam entre os interessados na história da cidade e dão a conhecer à comunidade científica. No último número de "Conimbriga" (vol. 41, de 2002), prestigiada revista da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Rui Morais, assistente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, um dos "produtos" da autêntica escola de Arqueologia que a UAUM já é, publica três artigos de grande interesse sobre Bracara Augusta e que merecem o nosso destaque. Num deles, "A taça romana de prata de Bracara Augusta", estuda pormenorizadamente uma belíssima taça argêntea, com incrustações de ouro e niello, descoberta nas escavações realizadas em 1979 nas termas do Alto da Cividade. Trata-se de uma peça de grande qualidade artística e de extrema raridade, talvez única entre o espólio romano encontrado em Portugal, tendo sido provavelmente fabricada na Campânia (Itália) no tempo de Augusto (séc. I). De algum modo relacionado com esta peça, pois atesta o alto nível de vida de alguns dos habitantes da cidade, no artigo intitulado "O tesouro romano, em prata, de Bracara Augusta", Rui Morais recorda um "precioso tesouro de peças maravilhosas encontrado em Braga junto ao Convento das Freiras da Conceiçam", de que nos dá notícia o nº 26 do "Suplemento à Gazeta de Lisboa", publicado em 2 de Julho de 1750. A partir da descrição das peças achadas, o autor procura reconstituir o tesouro, de cuja autenticidade não duvida, estabelecendo paralelos com outros achados semelhantes, concluindo que deverá datar do século III e ser de natureza religiosa, provavelmente tendo sido grande parte das suas peças fabricada nesta cidade. O tesouro terá sido oculto em consequência das invasões germânicas que atingiram o Norte da Hispânia e obrigaram à fortificação da cidade nos finais do séc. III, princípio do séc. IV. Resta acrescentar que este tesouro, apesar dos esforços de D. José de Bragança, foi de imediato fundido, tendo-se salvo talvez algumas peças que o Arcebispo conseguiu comprar e um "Vaso de sacrifício" adquirido por um ourives de Chaves, mas cujo rasto se perdeu. No terceiro artigo, Rui Morais estuda "Um molde de lucerna encontrado em Bracara Augusta". Esta peça, de inegável valor estético e documental, foi descoberta no decurso de escavações realizadas nas antigas cavalariças do Regimento de Braga, onde hoje se localiza o Museu D. Diogo de Sousa. Este molde permitia o fabrico de lucernas de volutas no tempo de Augusto e Tibério (séc. I) e a sua descoberta mais uma vez comprova e existência na Braga Romana de olarias dedicadas à produção daquele tipo de lâmpadas, como J.J. Rigaud de Sousa, em trabalhos publicados nos anos 60, já tinha revelado. Recordemos ainda que Rui Morais, em artigo saído a lume na revista "Forum" (30, Jul. 2001) nos tinha brindado com um "Breve ensaio sobre o anfiteatro de Bracara Augusta" através da qual, recorrendo a documentação antiga e à fotografia aérea, localizava aquele equipamento lúdico que existia na cidade romana, em Maximinos, entre a rua do Caires e a linha férrea.
A bibliografia sobre Bracara Augusta continua a ser produzida em ritmo e qualidade assinaláveis, (brevemente referiremos o estudo sobre "As termas romanas de Bracara Augusta" da arquitecta Paula P. da Silva), o que constitui mais um forte argumento para a urgente aprovação de uma licenciatura em arqueologia na Universidade do Minho.
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