[Publicado do "Diário do Minho" de 2002.07.27] |
Subsídios para o diagnóstico de uma cidade doente
Conselho Directivo da ASPA
Ironicamente a Casa da Orge cumpre o fado que herdou da sua fundação. Do rasto dos seus 267 anos garantidos de existência, a bela casa setecentista, situada à saída da estrada para Barcelos, junto à Igreja de Maximinos, ameaça chegar ao fim dos seus dias envolta no mesmo mistério que determinou a sua edificação. Habitada por dois anciãos sem descendência, a Casa da Orge é bem um símbolo das enfermidades que padecemos na Braga dos nossos dias. É o testemunho claro de que o passar dos anos torna os cidadãos indefesos perante a sociedade e a lei; de que o avançar da idade já não suscita qualquer atitude digna, nem sequer, de que os valores da beleza artística ou do património cultural justificam as tréguas propícias ao exercício de uma política elevada. Como é do domínio público, o processo que corre nos tribunais opondo os actuais proprietários - uma anunciada empresa imobiliária que pretende erguer uma nova urbanização no local à custa da destruição da referida casa solarenga e seus jardins - e os locatários que a habitam há várias décadas, tem resultado no abandono e na degradação acelerada do imóvel.
Não fossem os baixos padrões de exigência da mediocracia bracarense, que tem dado sinais de uma tacanhez endémica relativamente aos valores que o passado lhe legou, e o caso da
Casa da Orge constituiria um motivo unânime de expressão da auto-estima de Braga. Perante estes factos, as Associações cívicas de Braga, "Olho Vivo" e ASPA, tomaram a iniciativa de requerer à Delegação Norte do IPPAR um pedido fundamentado de abertura de um processo urgente de classificação da Casa da Orge, enquanto valor patrimonial. Coincidência ou não, no mesmo dia em que foi enviado deflagrou o primeiro incêndio na casa!
A Casa da Orge é um exemplar de uma casa senhorial urbana, de estrutura matricial supostamente seiscentista, que beneficiou de avultados melhoramentos na primeira metade do século XVIII, conforme atesta a inscrição do frontão da entrada principal que exibe a data de 1735. Trata-se de uma construção que afecta uma área edificada superior a 400mts quadrados dividida por dois pisos, beneficiando de um terreiro frontal gradeado que acentua a majestade da fachada. Como impressão geral, o estado de conservação da casa é visivelmente preocupante, sendo notórios os sinais de abandono dos exteriores acometidos à tutela do proprietário, subentendendo-se que alguns sectores da construção ameaçam ruína iminente. Para agravar toda a situação dever-se-á acrescentar que existe uma pequena dependência devoluta no piso térreo, fora do anteriormente citado arrendamento, que se encontra de portas escancaradas, entregue à marginalidade nocturna. Mais não bastasse, a gravidade dos diversos assaltos e acções de vandalismo (participados à PSP), bem como as consequências danosas dos incêndios fazem-nos temer pela integridade do património arquitectónico estrutural. Perante tantos e evidentes sinais de ameaça aos direitos privados - e agora, por presunção, também ao interesse público - , sobretudo porque estiveram em risco a vida e os bens dos seus locatários, impunha-se, independentemente de quaisquer voluntarismos, que as autoridades competentes iniciassem, quanto antes, um processo de investigação sobre esta matéria. Uma vez mais estamos perante a expectativa de que a sociedade e a cidade possam provar que ainda existe uma réstia de esperança na cura dos males de que padecem. Uma vez mais será possível avaliar o estado de saúde do funcionamento das nossas instituições, particularmente pela celeridade e pelo empenho que entidades como a Câmara Municipal de Braga e o IPPAR, por obrigação legal, têm de responder cabalmente a esta iniciativa da sociedade civil.
Sonhemos ainda que a Casa da Orge não seja mais um triste exemplo da orgia cínica de que padece a nossa democracia. |
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